Em analise Ortopedia

Os ortopedistas são carpinteiros?

Tinha um colega, durante meu internato de ortopedia, que nos momentos de estases, após reduzir e fixar convenientemente uma fractura acostumava a dizer: “Definitivamente somos carpinteiros titulares”. Ortopedistas somos identificados como os carpinteiros do hospital. Alguns utilizam isso de forma despectiva, mas a maioria de nos pouco importa-se.

Tem um estudo que identificou a experiencia com trabalhos em madeira como um, dos três preditores, dos residentes que tornar-se-ão cirurgiões ortopédicos altamente qualificados. Tem toda logica. Imagine alguém chegar ao bloco operatório para fixar uma fractura com uma placa e vários parafusos, sem saber utilizar uma chave de fenda? Como fazer uma osteotomia, calcular o angulo correcto, saber em que posição devem ficar os implantes?

A ortopedia partilha ferramentas, técnicas e até alguns princípios da carpintaria. Alias não podia ser diferente. O esqueleto é constituído por ossos e estes são uma armação de fibras colágenas com espaços preenchidos com sais minerais. A substancia que media entre as células do osso esta petrificada por sais minerais. Inclusive são necessários canalículos para que os vasos sanguíneos passem. Desde o ponto de vista físico-mecânico o osso é, de todos os tecidos, o mais próximo da madeira. Quem trabalha a madeira é o carpinteiro, dos ossos trata o ortopedista. 

Estabilidade ou instabilidade, grau de fixação ou de movimento, fricção, resistência do material, placas, parafusos, furadeira, chave de fendas, arames. Todos são termos comuns entre carpinteiros e ortopedista. Em ambas profissões o objetivo é por a funcionar, o melhor possível, estructuras de suporte, protecção e movimento.

Ortopedistas e carpinteiros partilham muito mais do que instrumentos de trabalho. Partilham até princípios de mecânica, de resistência do material, de geometria. Mais existe um elemento que faz toda a diferença entre eles. A madeira é uma substancia inerte, o osso é um tecido vivo que suporta alguém que vive. Talvez seja por isso que um ortopédico perfeitamente pode entrar numa cozinha qualquer e consertar a pata de uma mesa. Dificilmente um carpinteiro consiga entrar num bloco operatório e tratar a fractura de fémur.

No livro Cirurgia Ortopédica, de Cambell (a bíblia da ortopedia) há uma frase marcante:

” Os ortopedistas devem ser mais médicos e fisiólogos do que mecânicos ou carpinteiros”

A frase está lá para nos alertar do perigo de pensar como carpinteiros, quando tratamos pessoas. Está lá para avisar, de que o que funciona na madeira, não necessariamente vai resultar no osso. Que nem sempre o parafuso, a placa e o serrote podem ser a melhor opção de tratamento. Que por vezes (muitas vezes) basta deixar a natureza trabalhar em paz. Deixar ao corpo fazer o que melhor sabe fazer, reparar-se assim próprio. Infelizmente quando vejo alguns tratamentos fica a dúvida de quem o fez.

Conhecer um bom carpinteiro ajuda a poupar dinheiro. Já com com um bom ortopedista por perto – além de também poupar algum dinheiro – talvez consiga andar se tiver uma fractura. Claro, desde que o ultimo não pense e actue como o primeiro.

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